CORDEL PARA MILTON NASCIMENTO
CORDEL PARA MILTON NASCIMENTO
No corre-corre da vida
Aqui me ponho a escrever
Uns versos muito singelos
Daquilo que posso ver
O que se finda na terra
Terá um novo renascer.
Tudo está na Natureza
Num só mesmo movimento
As engrenagens não param
Estamos todos em andamento
Para viver é necessário
Um sorriso a cada momento.
O Brasil é um celeiro
De portento cabedais
Por a cá é cultivado
O que vem dos ancestrais
O belo todo é concentrado
Aqui nas Minas Gerais.
É sobre Milton Nascimento
O teor deste cordel
Um ser interestrelar
Verdadeiro menestrel
Mareado por travessia
No bate-bate do batel.
1
Em um 26 de outubro
Dia de muito alegramento
Na favela da Tijuca
Nasce Milton Nascimento
Foi no Rio de Janeiro
Fato do acontecimento.
Não sei bem se o seu pai
O recebeu com amor
Sua mãe, Maria do Carmo,
Quem lhe deu o cobertor
Trabalhava como doméstica
No Rio do Redentor.
Aproximando dos 2 anos
Fica órfão o pequenino
Sua avó, uma mineira
Vem marcar seu predestino
Vê crescendo o menino
Entre o badalar do sino.
Sua avó então trabalhava
Na casa de Lília Maria
Professora de música
E maestra em poesia
Era por lá que o Bituca
Passava parte do dia.
2
Apegada à criança
Tanto Lília e seu marido
Que era Josino Campos
Um casal muito querido
Adotou o Milton Bituca
Como um filho bem nascido.
Ainda com pequena idade
Vai morar com os novos pais
Milton Nascimento, o Bituca,
Entre campos e animais
Vai crescendo o pequerrucho
Pelos campos dos Gerais.
Sobre o apelido Bituca
Vem dos índios botocudos
Milton se sentido fulo
Ficava bem carrancudo
Projetava pela boca
Um bico muito carnudo.
Carregando este apelido
Desde o tempo de criança
É o Bituca da infância
Um símbolo da esperança
Que segura o velho mestre
Pelo caminho da andança.
3
Milton, em seu nascimento
O tempo não te consome
E por mais que o trem corrói
O alimento que se come
A canção não se finda:
Em Minas está seu nome.
Anjo negro amarrotado,
Há pedras às escondidas
Por mãos brancas das esquinas
Ocultando mil feridas
E é com sangue que tu assinas
Doces acordes de vidas.
Ser negro em Minas negra
Nunca foi um privilégio
Mesmo assim Milton afirma
Nunca aprendeu no colégio
As eternas melodias
De seu vasto sortilégio.
Nascimento já maduro
Milton de três corações
O corpo todo imantado
A atrair novas canções
Do Ouro Preto a Diamantina
Ao som dos carrilhões.
4
Na pauta das duas linhas
Por um sol iluminado
Corre ruidoso vagão
Faiscando por todo lado
Música de forte compasso
É o Bituca metrificado.
Mil novecentos sessenta
Com mais dois, afirmo bem,
Vem sua primeira canção
Grava “Barulho de Trem”,
Muda pra Belo Horizonte
Entre o correr do vai e vem.
Desde os tempos do Maleta
No bar, na mesa de fundo
Era Milton Nascimento
Nos ensaios para o mundo
Ali sua voz ecoava
Num pulsar microsegundo.
Negro minério de ferro
Feito de Minas Gerais
Vagão da composição
Das notas musicais
Milton, somente Bituca
De mil, mil tons geniais.
5
Milton Nascimento habita
Do lado esquerdo do peito
De toda a humanidade
Um ser digno de respeito
Pois a sua dignidade
É avessa ao preconceito.
“As mulheres podem tudo”
Disse Milton Nascimento,
Podem até mudar o mundo
Com seu forte sentimento
A força de cada mulher
Faz virar rumo do vento.
No bairro Santa Teresa
Na sombra da sutileza
Milton Nascimento a brilhar
Entre o luzir da beleza
No seu jeito singular
Projetado de clareza.
E lá se vai, mais um dia
No baticum do Rosário
Serra acima Serra abaixo
Cumprindo seu calendário
O nascer marca o compasso
Na rota do itinerário.
6
De tamanha inquietação
Que é marca de todo artista
Milton com a rapaziada
Numa jogada futurista
Criam o Clube da Esquina
Movimento vanguardista.
Do batuque do tambor
Vejo brotar as canções
Em tons de bons nascimentos
A brilhar nos corações
Salve Mamãe do Rosário
A esparramar orações.
Miltonminas se comunga
Na brilhante luz do sol
Onde o caminhar se confunde
No lusco fusco do farol.
A canção vai emergindo
Num crepúsculo si bemol.
Milton Bituca recebe
Dos Guarani-Kaiowá
O batismo guarani
Ao batuque do arujá
Milton, “Semente da Terra”,
Nome que vigorará.
7
O mundo se curvará
Ao pôr da boca da noite
No corpo nascerá o amor
De que se perdeu no açoite,
Milton cantando no ar
A nascente do afoite.
Mas agora 80 anos
O velho une à criança
O nascimento no seu nome
O sinal da esperança
E viva vivo Bituca
Na canção que ora se dança.
Milton pode conclamar
A folha da juventude
Que é planta e sentimento
A brotar da inquietude
O mineiro carioca
Ser puro na plenitude
E Milton sabe dizer:
Tudo que vive envelhece
Da mais tênue florzinha
Até ao sol que nos aquece
Tudo, tudo menos o sonho
O sonho rejuvenesce.
8
Nenhum comentário:
Postar um comentário