sábado, 12 de novembro de 2022

O EDIFÍCIO MALETTA EM CORDEL

 

O MALETTA EM CORDEL

                     Olegário Alfredo

Toda cidade tem vida

Se tem vida tem história

Agora vou relatar

O que trago na memória

Belo Horizonte é o enredo

Do cordel em trajetória.

 

Tudo que respira inspira

Faz o dia florescer

A vida corre depressa

Temos muito que viver

O Maletta sempre saúda

Aos que logo vão nascer.

 

No lugar em que é o Maletta

Ali existia o Grande Hotel

Era o melhor da Capital

Lugar de um bom coquetel

Para os bons intelectuais

Da cachaça e do pitel.

 

Neste hotel hospedaram

Das Letras, os Modernistas,

Mário de Andrade e Oswald

Com outros tantos artistas

Como Tarsila e Portinari

Também muitos futuristas.

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Por Arcângelo Maletta

O hotel foi gerenciado

Mil novecentos o ano

Mais dezenove no tablado

Indo até trinta e três

Tem seu fim anunciado.

 

Daí o prédio foi vendido

Em seguida demolido

Surge um empreendimento

Grande conjunto é construído

Recebe o nome de Maletta

O futuro está nascido.

 

Fica na Augusto de Lima

Esquina da rua Bahia

Bem no centro da cidade

Um espaço da mineiraria

O Maletta é conhecido

Como lugar de boemia.

 

O Maletta sempre foi

O prédio da diversidade

As mulheres lá tiveram

O gosto da liberdade

Tendo espaço para exercer

Luta e criatividade.

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As mulheres praticavam

Trabalho e cidadania

Podendo entrar e sair

Do prédio, sem tirania

Fumar, beber, jogar

Sem abalar sua alegria.

 

Quebrando o pudorismo

Da família mineira

O Maletta libertário

Aceita qualquer bandeira

Do roqueiro ao pipoqueiro

E a moça namoradeira.

 

O seu uso é comercial

Sebo com cabeleireiros

Restaurantes e lan houses

Cantadores seresteiros

Cachaça com pão de queijo

Como gostam os mineiros

 

Possui 19 andares

Em sua área comercial

Com mais 31 andares

Pela área residencial

É um conjunto efervescente

Famoso na Capital.

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É sobre este conjunto

Um icônico singular

Maletta dos maleteiros

Um sui generis lugar

Ao mesmo tempo plural

Pra curtir ou trabalhar

 

No Maletta lá conserta

A máquina de calcular

E a de datilografia

É bem fácil de encontrar

No Maletta tem brechós

Tem de tudo pra comprar.

 

Costureiras, contadores

Existem em vários andares

Advogados com os médicos

Junto outros similares

No Maletta tem de tudo

Agora vamos para os bares.

 

Do Maletta ora se diz

Um local de boemia

Restaurantes e bares

Reduto da poesia

É a cultura alternativa

Que por ali se irradia.

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Sobre curiosidades

O Maletta é interessante

Primeiro prédio de Minas

A ter escada rolante

Hoje ela está parada

Guardando desamparada

O caminhar do passante.

 

E temos a loja Aerobel

Fica na rampa primeira

Com variadas maquetes

Modelismo de carreira

Com trens, carros e aviões

Tipo da cena mineira.

 

O Maletta sempre foi

Um espaço democrático

Com misturas de culturas

Do maluco ao carismático

Do doutor engravatado

Ao poeta mais lunático.

 

Atores músicos e jornalistas

Todo tipo de vagabundo

Dos que vagam pela vida

Em busca do novo mundo

Solitários do Maletta

Num profundo mais profundo.

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Em encontros no Maletta

Sempre existe novidade

Muitas artes culturais

E de criatividade

São projetos de botecos

Que brilham pela cidade.

 

Espetáculos de sucessos

No Maletta discutidos

Muitos foram para o palco

E também muito aplaudidos

Outros ficaram só no sonho

Nunca foram concluídos.

 

Beatnik e underground

Marca de uma geração

Como Macarius e Evaldo

Também o poeta Leão

O Maletta é uma constante

Um pulsar do coração.

 

Entre atores e diretores

Maleteiros de verdade

Cito o amigo Ênio Reis

Um ser da veracidade

Sabe bem como distinguir

Todo pulsar da cidade.

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O Maletta já aceitou

A turma da capoeira

Ali chiava o berimbau

Depois da roda da Feira

Eu sou cúmplice deste feito

Desta lida mandingueira.

 

O varandão do Maletta

Lugar da tipografia

Hoje é ponto de encontro

Da moçada da alegria

São bares psicodélicos

Mais cheios de harmonia.

 

O Maletta do Garçom

Olympio, o Anjo Anarquista

Um símbolo universal

Que gostava do turista

Além de ser bom garçom

Foi humano e altruísta.

 

O Maletta é república livre

Como uma grande cidade

Nele cabe todo mundo

De qualquer tribo ou idade

O Maletta portanto é

Ponto da diversidade.

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E falando de escritores

Que foram bons maleteiros

É difícil de contar

Vou citar uns pioneiros

Escritores de bancada

Junto aos poetas mineiros.

 

O Oswaldo França Júnior

Colado com Adão Ventura

Wander Pirolli e Libério

Em tempo de ditadura

Roberto Drummond e o Henry

E tantos pela noite escura.

 

Ensaístas foram muitos

Maleteiros de carteirinha

Como Isaias Golgher

Fábio Lucas está na linha

Incorporados na listagem

Do icônico Maletinha.

 

E temos os cineastas

Maleteiros de verdade

O grande Helvécio Ratton

O Schubert, uma sumidade

Que morreu no Maletta

Enfartou sem piedade.

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Outra classe maleteira

Sãos os das artes plásticas

Petrônio Bax e Chanina

Clássicos das onomásticas

Vem o Álvaro Apocalypse

E suas artes fantásticas.

 

O Maletta pois é uma

Passionária brasileira

Assim dizia seu Olympio

O garçom da saideira

São muitos os que levam

Uma vida maleteira.

 

Raridades no Maletta

Temos de toda maneira

São os clássicos do cordel

Que estão na prateleira

Livros raros e long plays

Da cultura brasileira.

 

Bossa Nova, Tropicália

E jornais alternativos

Aqui é fácil de encontrar.

Já entre outros atrativos

Como arranjar uma paquera

Só mesmo ficando na espera

Degustando uns aperitivos.

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O Maletta é portanto,

Travessia musical

Por cá o Clube da Esquina

Dava uma paleta geral

Tocando belas canções

No Bar Club Berimbau.

 

O Berimbau em BH

No Maletta um grande bar

Recebendo grande músicos

De conversa e de cantar

Foi um local de resistência

Ao governo militar.

 

São filósofos e ambulantes

São médicos e professores

Os de direita e de esquerda

Como também os doutores

O Maletta é porta aberta

Para todos seguidores.

 

O Maletta é formidável

Um lugar em ebulição

Como os tipos populares

O jornaleiro Tostão

Fala rouca amplificada

Projeto de um vozeirão.

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No Maletta era comum ter

As reuniões esquerdistas

Como o Jornal “O Debate”

De excelentes jornalistas

Um local de bons encontros

De poetas e jornalistas.

 

Variedades de comércios

No Maletta tem bastante

Biscoiteria e Alfaiateria

E muitos livros em estante

Filatelia e discoteca

Se somam ao comerciante.

 

E não há coisa melhor

Aos artistas em geral

Ao findar um espetáculo

Ou um show musical

Pro Maletta ir correndo

Uma gelada ir bebendo

Lugar bom da Capital.

 

Assim é o ciclo do Maletta

Um lugar bom e acolhedor

E são muitos que partiram

Para junto do Senhor

E são os novos que chegam:

Mais um louco sonhador?

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As cadeiras dos botecos

Da tanto a bunda esfregar

Vão mudando os coloridos

Para um novo transmutar

O Maletta, velho cúmplice

De quem passa pelo bar.

 

Pois a Cantina do Lucas

Em decisão pioneira

É patrimônio histórico

É tradição verdadeira

Um lugar muito agradável

Desta capital mineira.

 

O Maletta sempre foi

Um lugar de reuniões

Quer das artes ou políticas

Ou de outras situações

Cumprindo seu papel

De agregar gerações.

 

“O Lucas”, tribuna livre

Lugar de livre expressar

O Garçom sendo comunista

Em códigos sabia avisar

A presença de paisanos

Da polícia militar.

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Agora, pra terminar

Falo com satisfação

Um escritor formidável

Dono de sua geração

Maleteiro pontual

Da Imprensa Oficial

Que é o Murilo Rubião.

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